sexta-feira, 28 de novembro de 2025

UM EPISÓDIO DAS RELAÇÕES ENTRE PORTUGAL E A VENEZUELA


A VENEZUELA CANCELA LICENÇA DA TAP PARA VOAR PARA CARACAS




Diz Marcelo que "a nossa diplomacia é muito boa nisso".

A Venezuela vive os dias que correm sob a ameaça de uma intervenção dos Estados Unidos, que já deslocaram para o Mar das Caraíbas o seu maior porta-aviões e um sem número de meios aéreos e navais. O pretexto usado desta vez para a iminente intervenção americana não consiste na existência de “meios de destruição maciça”, em solo venezuelano - além do mais ficava-lhes mal que esses meios tivessem sido transferidos sem o seu conhecimento – mas por a Venezuela ser a sede de um perigoso cartel do tráfico de droga actuando sob o comando de Maduro; cartel, diga-se, de que os Estados Unidos seriam o seu principal cliente. Como medidas preliminares intimidatórias, os meios navais e aéreos dos Estados Unidos já atacaram várias embarcações que navegavam naquelas águas, acerca das quais apenas se sabe que levaram à morte dos seus tripulantes e trabalhadores.

Demarcando a zona como de intervenção militar, com a mesma descontracção de quem demarca em solo pátrio uma parte do seu território para manobras militares, os Estados Unidos deixaram vários avisos à aviação civil que navega no espaço internacional, obviamente destinados a impedir ou limitar o tráfego para a Venezuela.

A TAP, presume-se com a anuência ou por orientação do Governo, foi das primeiras companhias aéreas a suspender unilateralmente as suas carreiras para Caracas, a que se juntaram depois mais cinco companhias aéreas (Ibéria, Avianca, Latam Colombia, Turkish Airlines e Gol).

Evidentemente, que à Venezuela convinha que essas carreiras se mantivessem em actividade, na medida em que poderiam, indirectamente, contribuir para tornar mais difícil a agressão americana, embora, como o bombardeamento da Jugoslávia e outros demonstrem, os americanos (e também a NATO) não sejam muito sensíveis a esses pormenores.

A Venezuela retaliou cancelando as licenças de voo dessas companhias para a Venezuela.

Esta retaliação, relativamente a Portugal, não tem nada de inocente, depois das múltiplas e graves ingerências de Portugal nos assuntos internos venezuelanos.

A existência de uma vastíssima comunidade portuguesa na Venezuela, a maior comunidade estrangeira do país, e das dezenas de milhares residentes luso-descendentes, aconselharia, se outras razões não houvesse, que Portugal se mantivesse à margem das disputas políticas internas e se limitasse a cuidar da segurança e bem-estar dos portugueses lá residentes. E deveria, em conversações diplomáticas normais, explicar ao governo venezuelano que, estando sendo a situação no Mar das Caraíbas perigosa para o tráfico aéreo, iria suspender temporariamente as carreiras aéreas até se encontrar outra via de chegar a Caracas sem perigo.

Mas não foi nada disso que Portugal fez e tem feito. Portugal tem interferido sistematicamente nos assuntos internos da Venezuela, ao serviço de interesses estranhos, que prejudicam os nossos próprios interesses. No actual contexto, o nosso maior interesse é tentar proteger os portugueses e nada fazer que possa fazer perigar a situação dos portugueses lá residentes.

Todos nós nos lembramos do vergonhoso reconhecimento de um tal Guaidó, como presidente da república, na sequência de um acto eleitoral que perdeu por larga margem, tendo, perante um acto internacionalmente reconhecido como válido, deslocado para a Venezuela um repórter da televisão pública, RTP, que durante cerca de um mês fez diariamente sessões de propaganda contra o regime, actuando como um verdadeiro enviado da oposição ao regime. E tudo isso a Venezuela suportou, sem sequer lhe ter dado ordem de expulsão.

Mais tarde, ou seja, há pouco tempo, Portugal voltou a apoiar a candidatura de um torcionário da CIA, que hoje está asilado em Espanha, e uma fulana de extrema-direita – Corina Madura, a quem foi atribuído um prémio Nobel da Paz que nem na Noruega foi reconhecido pelo “Conselho Norueguês da Paz”.

Apesar de ter uma numerosa comunidade portuguesa na Venezuela, a maior comunidade estrangeira do país, e dezenas de milhares de luso-descendentes, Portugal, em vez de se manter à margem das disputas políticas venezuelanas e cuidar apenas da segurança e bem-estar dos portugueses lá residentes, tomou partido e interferiu vergonhosa e ridiculamente nelas.

Esta política externa portuguesa só se compreende por Portugal ter perdido a sua independência e também a sua dignidade como Estado soberano, agindo prioritariamente na defesa de interesses alheios, mesmo quando conflituam com os interesses portugueses. Hoje, quando vemos ou ouvimos um político português a falar sobre problemas ou questões internacionais, nos quais também estão em jogo os nossos próprios interesses, nem sequer vale a pena perguntar de que lado estamos ou o que vamos dizer sobre o assunto. Já toda a gente sabe a resposta: se for um assunto em que os Estados Unidos estejam metidos, é desse lado que nós estamos; se for um assunto sobre o qual a UE já tomou posição, mesmo sem ter nenhuma legitimidade para o fazer, será desse lado que vamos ficar, porventura ainda com mais afinco para que não haja dúvidas de que somos obedientes e cumpridores. A triste sensação que nos fica é a de que somos cidadãos de um Estado derrotado que actua como um simples vassalo do vencedor.

"A nossa diplomacia é muito boa nisso"...diz Marcelo, referindo-se ao diferendo com a Venezuela.

Em tempo: Dizem-me que o actual Ministro dos Negócios Estrangeiros fez parte, como deputado europeu, daquela daquela comitiva de apoio a Guaidó, candidato derrotado, à qual foi recusada a entrada na Venezuela. Certamente que este acto insensato, de tentar reconhecer como presidente um candidato derrotado, pesou muito provavelmente na decisão agora tomada por Maduro. Na hora da retaliação tudo é chamado à colação...

sexta-feira, 21 de novembro de 2025

CANDIDATOS PRESIDENCIAIS

 DEBATE ENTRE O CANDIDATO COINTRA O ESTADO E O CANDIDATO À PROCURA DE UM GUIÃO



O DEBATE ENTRE O CANDIDATO CONTRA O ESTADO E O CANDIDATO À PROCURA DE UM GUIÃO

Para começar convém dizer que o debate foi fraco sob vários pontos de vista, tanto do lado dos candidatos como do lado do perguntador - Vítor Gonçalves. Foi fraco, mas muito elucidativo. Vou-me focar no perfil dos candidatos, para se perceber o que poderíamos esperar de um e do outro, se um deles viesse a ser Presidente da República.

Comecemos pelo candidato oriundo da Iniciativa Liberal. Como Presidente da República, Cotrim oscilaria entre ser um inimigo do Estado ao serviço exclusivo do capital ou um Presidente da República lacaio de potências estrangeiras com pretensões hegemónicas sobre o espaço geográfico em que se situam.

Vamos primeiramente às questões internas: Cotrim não só não tem qualquer oposição à privatização da TAP, como a aconselha vivamente. O Estado não deve ser proprietário de empresas aéreas nem os seus eventuais interesses sobre a manutenção de rotas ligadas a interesses portugueses ficam prejudicados pela empresa ser privada. E dá exemplos, a Air France não é do Estado Francês, a Lufthansa não é do Estado alemão, nem a British Airways é do Estado Britânico, não deixando, por isso, que interesses desses Estados deixem de ser defendidos.

Sem curar de saber se as referidas companhias têm ou não participação dos respectivos Estados, o que interessa é sublinhar é a argumentação usada por Cotrim, para de imediato se perceber como é que ele encara a defesa de interesses portugueses no contexto europeu. Cotrim entende que Portugal está no mesmo plano dos Estados acima citados relativamente à acção das companhias aéreas oriundas desses Estados.  Mas disse mais: para replicar a uma pequena objecção sobre a defesa de certos interesses, Cotrim, do alto da sua arrogância, esclareceu: Sim, o Estado tem obrigação de manter as ligações entre todo o território nacional (referia-se às regiões autónomas insulares, como é óbvio) ou a territórios onde vivam grandes comunidades portuguesas. Mas o Estado não precisa de ser proprietário de nenhuma companhia de aviação para fazer a defesa desses interesses. O Estado pode contratar com companhias estrangeiras a manutenção dessas ligações. Ora, aí temos uma resposta de “mestre”.

Sobre aquilo a que eufemisticamente se chama as “alterações ao código do trabalho”, eufemísticas porque na realidade não é disso que se trata, mas da eliminação do “direito do trabalho”, como categoria jurídica autónoma de natureza especial, Cotrim, com excepção de duas das mais vergonhosas propostas “alteração”, concorda com tudo o que o Governo se propõe aprovar, em nome da dinamização da economia, da modernização das relações de trabalho, com vista ao crescimento da economia e pagamento de melhores salários. Ou seja, Cotrim está de acordo com o regresso aos primórdios da “Revolução Industrial”, eliminando do mundo jurídico todos os direitos laborais, passando a ser a “força de trabalho” uma mercadoria como qualquer outra sujeita, por um lado, às regras da oferta e da procura e por outro um contrato alheio à disparidade do peso contratual de cada um dos contraentes. Ou seja, por este andar até o pagamento de um salário necessário à reprodução da própria força de trabalho ficaria em causa, se o fluxo migratório a garantisse mesmo que descontinuadamente.

No plano internacional, Cotrim é ainda mais categórico e mais evidente é ainda a altivez da sua profunda ignorância. À pergunta de Gonçalves, sobre que decisão tomaria se a NATO exigisse a Portugal o envio de tropas de manutenção de paz para a Ucrânia (ou seja, para combater na guerra da Ucrânia), Cotrim foi ainda mais categórico: somos parte de um acordo que nos impõe obrigações, se nos mandarem combater na Ucrânia temos de o fazer, para que se um dia formos atacados também termos quem nos defenda. (E diz-se por aí que Cotrim estudou em não sei quantos países e em não sei quantas universidades…). Mas Cotrim não se ficou por aí, Cotrim foi mais longe: “O que não faz sentido (cito de cor) é que haja países da União Europeia que não são membros da Nato e países da Nato que não são membros da União Europeia” (ou seja, algo que dificultaria a defesa europeia), como também não faz sentido que o comandante das forças da NATO na Europa seja um americano. Tem de ser um europeu.

Ora bem, com esta Cotrim deu-nos uma grande lição de geopolítica, certamente aprendida numa dessas grandes universidades por onde andou. Não vale a pena argumentar, basta perguntar: Faz Cotrim alguma ideia do que é a Europa? Faz Cotrim alguma ideia do que seria a NATO sem os americanos? Santa ignorância…

Quanto a Gouveia e Melo cabe dizer fundamentalmente duas coisas. Primeira, Gouveia e Melo é manifestamente um candidato à procura de um guião. Ele até talvez o tivesse, quando andou nas vacinas, mas era muito curto e inexequível. Depois, ao contrário de Pirandello, que arranjou saída para os seis personagens à procura de um autor, Gouveia e Melo ainda não conseguiu consolidar um guião a partir das múltiplas propostas que outros tantos autores lhe propõem.

Mesmo assim, Gouveia e Melo esteve muito melhor do que Cotrim na questão das alterações à lei laboral, defendendo o “mínimo ético” exigível, esteve igualmente muito melhor no que respeita ao “papel do Estado na economia”, defendeu-se razoavelmente quanto ao envio de tropas para a Ucrânia (depois de já ter dito, quando apenas tinha o seu guião, que “se nos mandarem, vamos morrer pela Ucrânia”) e deixou positivamente Cotrim de calças na mão quando em palavras simples lhe explicou o que seria a Europa se os americanos saíssem da NATO.


terça-feira, 11 de novembro de 2025

ANGOLA

 ANGOLA, PARABÉNS



Morena de Angola, não te deixes enganar pelos lamentos hipócritas dos colonialistas que te escravizaram, que te obrigaram a trabalhos forçados, às culturas obrigatórias e a tudo o mais que agora não interessa referir, mas sem nunca esquecer.
Quando te vierem com essa conversa de que estás hoje pior e que até o teu chocalho deixou de chocalhar, lembra-te do poema de António Jacinto e canta-lhes Monangambé.
És ainda uma menina, Morena de Angola, quando fores um pouco mais crescida vais ser a morena mais bonita de todo o continente.
Acredita no futuro e nunca deixes que sejam os outros a decidi-lo por ti.
Parabéns e muitas felicidades pelo teu aniversário.

quinta-feira, 6 de novembro de 2025

BENFICA - BAYER LEVERKUSEN

 AS INJUSTIÇAS DO FUTEBOL 


Um jogador marca um golo de baliza aberta e é um herói. Um jogador falha um golo de baliza aberta, quando o jogo está empatado e teve azar.
Se um defesa faz um passe imprudente e o adversário aproveita o erro, desempatando o jogo, alcançando com esse golo a vitória, o responsável pela derrota é o defesa.
Esta é a regra que se segue na apreciação de um jogo de futebol. Foi exactamente isso que ontem aconteceu no jogo que, no Estádio da Luz, opôs o Benfica ao Bayer de Leverkusen, a contar para a quarta jornada da fase de apuramento da Liga dos Campeões Europeus.
Dahal ao alviar com a cabeça uma bola, defendida pelo guarda redes, colocou-a involuntariamente  na cabeça do atacante da equipa adversária, que fez golo, apesar de rodeado por três jogadores do Benfica. E assim se consumou uma derrota que poderia ter sido evitada se os atacantes do Benfica, Pavlidis e Bukerbakio, não tivessem falhado duas oportunidades de golo cada um, que, se convertidas, teriam assegurado uma vitória tranquila do Benfica.  
O Benfica fez um jogo cauteloso, de média intensidade, no qual o receio de o perder ou de não o ganhar, desempenhou sempre um papel mais visível do que a ousada vontade de o ganhar. Não quero dizer com isto que o Benfica jogou para empatar. Não foi isso o que se passou. O que se passou é que o Benfica não entrou em campo com a intensidade e a velocidade de quem tinha de ganhar e queria ganhar o jogo rapidamente. Não. O Benfica entrou em campo para ganhar o jogo com segurança. Sem a intenção de arriscar nem de assustar o adversário. E quando assim acontece, apesar das cautelas defensivas, que levaram a que o adversário apenas tivesse tido em todo o jogo duas oportunidades: uma construída por mérito da equipa adversária, outra oferecida pelo Benfica, o resultado final é quase sempre imprevisível.
A ausência da tal ousadia, de quem está disposto a correr riscos, deixa ficar o adversário relativamente confortável na sua missão de ir deixando correr o jogo.
A partir de agora não haverá lugar para mais cautelas. Tanto na Holanda como na Estádio da Luz, nos dois próximos jogos, o Benfica  tem de realizar dois jogos completamente diferentes dos que tem feito até agora. Com outra intensidade, com outra velocidade, com outra ambição, com a ambição de quer quer ganhar o jogo depressa, para, depois de ter feito a sua parte, ficar à espera do que o jogo dá.

 



terça-feira, 4 de novembro de 2025

SOBRE A POLÍTICA DE ANDRÉ VENTURA

 


ESTRATÉGIAS ERRADAS NO COMBATE A VENTURA

Há relativamente pouco tempo (2019), André Ventura concorreu às legislativas por um partido que criou para servir os seus objectivos políticos e elegeu 1 deputado – André Ventura. Hoje, tem 60 deputados e está empatado na corrida às presidenciais com os candidatos mais bem posicionados.
Esta evidência permite tirar uma consequência que me parece óbvia. Todos os métodos usados para combater André Ventura não tiveram qualquer êxito, sendo até razoável supor que o favoreceram e muito.
Então, se os métodos usados não servem e se até podem ter o efeito perverso de o beneficiar, a conclusão óbvia é a de que devem ser abandonados.
André Ventura assenta toda a sua estratégia política em quatro ou cinco pilares muito primários que servem que nem uma luva todos objectivos que tem em vistas atingir. O primarismo dos temas e dos processos de que se serve nada têm a ver com o primarismo de quem os usa. Bem pelo contrário. Usa-os por logo ter percebido que eram os mais facilmente assimiláveis pelo auditório que quer conquistar.
Primeiro pilar da sua intervenção política: a corrupção. Partindo de exemplos muito mediáticos de suspeitas de corrupção ou de casos confirmados, ele passou a fazer da corrupção dos políticos, sem excepção, salvo os que se situam no interior do seu agrupamento, a causa primeira de todos os males da sociedade portuguesa, quaisquer que eles sejam. A ideia que passou com êxito é a de que os políticos, sem excepção, são suspeitos de agirem na defesa de interesses próprios, de que somente serão ilibados se no fim dos seus mandatos não houver qualquer suspeita de enriquecimento (que segundo ele só pode ser ilícito).
A segunda ideia muito difundida é a de que os ciganos não trabalham e vivem à custa de subsídios do Estado ou que quando têm alguma ocupação ela é ilegal (insinuaçao de tráfico de droga, contrabando, etc.)
A terceira é de que os imigrantes tal como a corrupção e os ciganos estão na origem de todos males de que o país padece. E quanto mais afastados os imigrantes estão do padrão étnico da generalidade dos portugueses, mais atacados eles são. A imigração representa um perigo para a manutenção da identidade portuguesa, tanto por pôr em causa a hegemonia da religião (cristã) dominante, como por etnicamente não serem caucasianos. Os seus principais alvos são os asiáticos, os africanos e os mestiços latino-americanos pobres. Associada a esta concepção racista da maioria dos imigrantes que trabalham em Portugal, é divulgada a mentira de que a maior parte ou uma parte muito significativa deles vive à custa de subsídios do Estado e dedica-se a actividades criminosas de todo o tipo. Para complementar o quadro, imputa falsamente à imigração as carência do serviço nacional de saúde e do ensino.
Em todo este vasto quadro ligado à imigração e à comunidade cigana intervém uma fortíssima componente racista que é muito bem acolhida pela sua base eleitoral.
Finalmente, como “os bandidos têm de ser punidos”, assenta igualmente muito bem no seu auditório uma forte marca autoritária que vai desde as deportações arbitrárias, passando pela supressão de direitos elementares até penas pesadíssimas e desproporcionadas relativamente a eventuais ilícitos cometidos.
Subjacente a tudo isto está em meu entender uma fortíssima crise da civilização europeia toda ela assente numa visão imperial e colonial que o tempo e a adopção de estratégias de desenvolvimento económico e comerciais completamente erradas fizeram com que hoje tanto no plano demográfico, como no económico-financeiro, comercial e, também no político, a “civilização europeia” se sinta ameaçada e superada pelo pujante desenvolvimento de grandes regiões do globo que ainda há menos de um século viviam numa situação colonial dominada pelos impérios europeus.
Como é que “isto” se pode combater? Não é fácil. E não é fácil porque Ventura é um oportunista demagogo e covarde. Ventura aproveita-se de tudo o que possa criar uma percepção desfavorável, susceptível de captar o eleitor no sentido do seu voto. É demagogo porque sabe usar os factos fora do seu contexto e dar-lhes uma amplificação que eles não têm. E, finalmente, é um grande covarde porque embora conheça muito bem, pelo menos algumas das causas do descontentamento popular, jamais invoca ou promete combater essas causas se elas tocarem nos grandes interesses relativamente aos quais exibe pelo silêncio e pelo respeito uma subserviência canina. O seu alvo são os fracos e os desprotegidos da fortuna. Esses é que são impiedosamente atacados, acusando-os de todos os males da sociedade portuguesa.
Perante este quadro assim genericamente descrito não faz qualquer sentido combater as suas pretensas simpatias salazaristas por explicações aprofundadas sobre o salazarismo, já que ao seu eleitorado isso não interessa nada, o que interessa é a percepção de seriedade, competência e respeito (autoritarismo) a que desde sempre esteve associada a figura de Salazar, durante décadas infundida na população por todos os meios ao alcance dos seus difusores.
Entrando no seu próprio campo, talvez seja mais útil insistir na tecla de que salazarismo e corrupção eram realidades inseparáveis. Aliás, de modo muito semelhante ao que agora se passa com Ventura e seus apoiantes. Ventura acusa e injuria ciganos, imigrantes e desvalidos da fortuna, marginais a que ele chama bandidos, mas não diz uma palavra nem levanta uma palha sobre a grande corrupção e o compadrio existentes entre o governo do Estado e os grandes interesses económicos, muitos deles criados e apoiados pelo Estado, tanto na sua génese como na sua consolidação, pela entrega de bens muitíssimo rentáveis do Estado a troco de quase nada ou até comprados ao desbarato com dinheiro emprestado pelo próprio Estado e que hoje são os grandes potentados da economia portuguesa. Também nem uma palavra se ouviu ou ouvirá a Ventura sobre os grandes escândalos financeiros (bancários) que custaram aos portugueses milhares de dezenas de milhões de euros nem sobre a riqueza que esses mesmos escândalos proporcionaram a quem neles participou! Sobre tudo isto, Ventura nada diz. As preocupações de Ventura incidem sobre os subsídios atribuídos aos ciganos, que não representam rigorosamente nada e nem sequer dariam para pagar uma pequena parte das fortunas que Ventura gasta em cartazes gigantescos com a sua fotografia espalhados por todo o país.
Depois vêm os infelizes imigrantes, pobres que deixaram as suas terras em busca de uma vida melhor, sujeitos a todo a todo de explorações, com a ilusão de poderem garantir aos seus familiares uma vida melhor do que aquela que lhes estava destinada. E pior do que tudo isto, pior do que esta rejeição racista e covarde, é a injúria gratuita e maldosa de os ligar ao aumento da criminalidade, que nem sequer existe. Como recentemente esclareceu, sem margem para dúvidas, o director geral da Polícia Judiciária, a esmagadora maioria dos estrangeiros que estão cumprir penas em Portugal não são imigrantes, mas simples “correios de droga”, sendo mínima e sem qualquer significado sociológico a percentagem de imigrantes com cadastro criminal em Portugal.
Para compreendermos que tipo ser humano Ventura é, basta perguntar quantas vezes se insurgiu contra as redes de tráfico de seres humanos, que cobram, exploram e controlam os ilegais que vivem em Portugal. Nunca houve uma palavra de compreensão nem de compaixão para essas pessoas, da parte de Ventura que se comporta perante eles com a mesma frieza humana daqueles que constituem as redes que os exploram.
E depois, vem a vergonha das vergonhas, Ventura acusa os imigrantes de receberem subsídios da segurança social, de recorrerem ao SNS sem pagarem os serviços prestados e esquece a enorme contribuição que todos eles, ou praticamente todos, têm dado para manter solvente a segurança social, que sem esse enorme contributo dos imigrantes já estaria no “vermelho” há mais de dez anos. Isto sem falar na enorme contribuição dos imigrantes para a sustentação e crescimento da economia portuguesa que, sem os imigrantes ou com “deportações” à Trump, já teria colapsado.
Em conclusão: o discurso de Ventura é um discurso racista e de ódio. Incide sobre matérias cuja quantificação, em termos de orçamento de Estado, é irrisória. Sobre a governação do país, sobre os grandes problemas com que o país se debate em matéria de cuidados de saúde, sobre educação, sobre habitação, sobre comunicações, sobre as suas estratégias de desenvolvimento, sobre a política internaciombal e sobre o posicionamento de Portugal no mundo, na Europa, a sua proposta é: OS CIGANOS TÊM DE TRABALHAR; OS IMIGRANTES TÊM DE SER DEPORTADOS OU PERDER OS DIREITOS SOCIAIS E LABORAIS; OS CORRUPTOS TÊM DE IR PARA A CADEIA; OS VIOLADORES E OS PEDÓFILOS TÊM DE SER CAPADOS!

sexta-feira, 31 de outubro de 2025

A MINISTRA DA SAÚDE

 

A MINISTRA DA SAÚDE




Chovem de todo o lado as críticas à Ministra da Saúde. Até o “cordato” Rebelo de Sousa na sua interrompida função de comentador quebrou o silêncio para fazer as críticas que julga adequadas sem se esquecer de apresentar a proposta para as superar, assente, como sempre, na substituição do Serviço Nacional de Saúde por um “sistema de saúde público, privado e social” devidamente alimentado pelo Estado em todas as suas componentes. E também cauteloso SG do PS interrompe a sua atitude contemplativa de “abstencionista exigente” para dizer que algo vai mal no domínio da saúde.

Eu tenho uma opinião diametralmente oposta. Acho que a Ministra, que já vem do anterior Governo, está a desempenhar razoavelmente bem e sem desânimos a função para que foi “contratada”.

O objectivo de quem lhe encomendou o serviço é fácil de compreender. O Governo não quer um “serviço nacional de saúde” público e gratuito. O Governo quer montar em Portugal um “sistema” de saúde muito diferente do actual SNS. E mais: quer que seja o “grande público” a pedir essa mudança, acentuando a ineficiência do actual serviço, mediante cortes abruptos de financiamento, encerramento de serviços, temporária ou definitivamente, e tudo o mais que influenciar um irreversível desejo de mudança.

Aceite como uma evidência nacional essa incapacidade, o Governo fará passar para o domínio privado (ou seja, para os grandes grupos já instalados no sector da saúde) uma parte muito considerável das receitas que hoje estão afectadas ao SNS, mediante a multiplicação das parcerias publico-privadas ou outras formas de “colaboração” rentista. Seguidamente ou simultaneamente injectará também algum dinheiro no chamado sector social, para impedir que a dúvida se instale nas boas almas que frequentam as IPSS. O que sobrar, que já será bem pouco, será afectado ao “serviço público de saúde”, cuja esfera de competência será a seu tempo delimitada, mas sempre circunscrita ao dinheiro que sobrar. Quem estiver doente e a sua “doença cair fora” do âmbito destas atribuições vai de ter pagar os seus cuidados de saúde, seja por intermédio de seguros ou outra qualquer via, na qual o pagamento estará sempre à frente do tratamento.    

Portanto, se alguém quer protestar a sério terá de o fazer atacando e impedindo o objectivo que o Governo tem em vista e que visa pôr em prática, logo que o contexto político o permita, a grande reforma da saúde, ou não fosse este Governo um “governo reformista”!

Mas terá de fazer mais: terá de atacar frontalmente os cortes no domínio da saúde, contestando e opondo-se frontalmente ao desvio dessas verbas para compra de armamento bem como as dádivas escandalosamente feitas ao governo corrupto da Ucrânia para alimentar uma guerra que nada nos diz e na qual não temos nenhum, absolutamente nenhum, interesse a defender.

É escandaloso e inacreditável que uma instituição criada para impedir a guerra na Europa – a Comunidade Europeia – seja hoje a grande promotora da guerra e pressione criminosamente os seus Estados membros a financiarem essa guerra com base em decisões ilegítimas de órgãos incompetentes para o efeito.

E mais escandaloso é ainda que um país como Portugal a quem a sua História impõe responsabilidades mundiais tenha quase completamente abdicado dessa responsabilidade relativamente a Estados com os quais deveríamos manter estreitas relações de cooperação e amizade para dar à Ucrânia, que nada nos diz e com a qual nada temos em comum, o que deveríamos utilizar para fomentar relações duradoiras de cooperação mutuamente vantajosas.  


quinta-feira, 26 de maio de 2022

PORTUGAL, CRAVINHO E AS SANÇÕES

 

AS SANÇÕES NO DIREITO INTERNACIONAL E INTERNO



 

O Chelsea, propriedade de Roman Abramovich, está para ser vendido a um grupo liderado por Todd Boethly, comproprietário da equipa de basebol Los Angeles Dodgers, nas próximas 24 horas, por 4,25 mil milhões de libras, dizem as noticias.

Ao que parece, segundo o direito inglês, o negócio terá de ser igualmente autorizado por Portugal visto Abramovich também ter nacionalidade portuguesa

Cravinho, Ministro dos Negócios Estrangeiros, diz que, sendo o negócio realizado por uma pessoa que está sob alçada de sanções decretadas pela UE, conversará com Bruxelas quanto ao modo como deve actuar, embora desde já deixe claro que será inflexível na aplicação das sanções. Esta questão levanta dois, digamos, três problemas.

O terceiro, que não é de natureza jurídica, tem a ver com o modo como se posicionam os portugueses com responsabilidades políticas perante a UE e também perante os Estados Unidos, quando este é o mandante. A preocupação que todos manifestam é a de não deixarem dúvidas sobre a intransigência da sua conduta a ponto de por vezes se mostrarem mais inflexíveis do que o próprio patrão, embora sempre dispostos a fazer todas as genuflexões que este lhes impuser. Mas deixemos isto que é assunto que somente se resolve de outra maneira. Mas há-de resolver-se.

A primeira questão tem a ver como facto de Abramovich em Portugal ser cidadão português e não poder perante as autoridades portuguesas invocar outra ou outras nacionalidades de que também seja nacional, para se esquivar às obrigações impostas pela lei portuguesa. Ora, o que vale para as obrigações, vale para os direitos. Como cidadão português nenhuma sanção recai sobre Roman Abramovich. Ele é, em Portugal, tão português como qualquer outro português, com os mesmos direitos e obrigações, salvo alguns direitos políticos muito específicos como candidatar-se a Presidente da República, cargo reservado exclusivamente a portugueses de origem.

A segunda questão, que no rigor dos princípios até já estaria eliminada pela anterior resposta, versa sobre a natureza do diploma normativo que decretou as sanções, a que se refere Cravinho, para a partir dai se aferir da sua eficácia e validade em Portugal, tanto à luz do próprio direito internacional (na medida em que este seja parte integrante do ordenamento jurídico português, como acontece cem as normas e princípios do direito internacional geral e comum), quer à luz da Constituição portuguesa que somente prevê como vinculativas, além daquelas, mais duas espécies de normas não directamente aprovadas pelo legislador (em sentido amplo) nacional.

São elas as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas por Portugal, depois de publicadas no jornal oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado português. Estas normas têm sempre de ser conformes à Constituição para serem válidas, o que, em regra, acontecerá pois de outro modo a convenção não teria sido ratificada ou aprovada. A outra categoria respeita às normas emanadas pelos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal faça parte directamente aplicáveis em território português, desde que tal se encontre estabelecido nos respectivos tratados constitutivos. Com esta formulação a Constituição quer referir se às normas emanadas pelas instituições europeias competentes, os chamados regulamentos.

Estas são as categorias de normas, além evidentemente das elaboradas e aprovadas internamente pelo legislador português, que poderiam contemplar as tais sanções de que fala Cravinho.

Ora, acontece que nenhuma destas normas pode permitir a aplicação de sanções a Estados terceiros, ou seja, a Estados que não sejam parte das convenções ratificadas ou aprovadas por Portugal que prevejam esse tipo de sanções entre as partes, assim como as normas dos tratados constitutivos da União Europeia também não podem prever a aplicação de sanções a Estados que dela não façam parte, já que o direito internacional geral e comum não permite actos de retaliação contra um Estado, suposto de ter cometido um acto ilícito, decididos e executados por Estados contra os quais aquele ilícito não foi cometido.

Nestes casos, a única entidade com competência para decretar este tipo de actos é o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas. De facto, as sanções entendidas como actos de retaliação ou represália são, isoladamente considerados, actos ilícitos, cuja licitude fica legitimada pelo acto ilícito que os determina. Um Estado terceiro ou uma organização internacional, de carácter regional ou não, não podem assumir-se como policias ou juiz universal com competência para decretar sanções relativamente a actos que não são da sua conta ou que não foram praticados contra si.

As sanções aplicadas a um Estados que não sejam decretadas pela ONU e constituam em si, isoladamente consideradas, um acto ilícito mantêm essa qualificação já que nenhum princípio do direito internacional geral e comum os pode legitimar.

Ora, sendo estas as normas de direito internacional relevantes na situação em questão, a invocação do direito internacional para justificar as sanções fica sem base jurídica em que possa apoiar-se.

Situação completamente diferente é aquela em que um Estado comete relativamente a outro ou outros ou relativamente a uma organização internacional um acto ilícito. Neste caso, tanto o Estado ou os Estados lesados bem como a organização internacional que se encontre na mesma situação podem decidir e executar actos retaliatórios contra o Estado infractor desde que respeitado o princípio da proporcionalidade. Actos que, como já se disse, em si seriam ilícitos se a sua licitude não estivesse legitimada pelo comportamento do infractor.

Situação diferente das anteriormente analisadas é ainda a que se traduz na prática de actos inamistosos. Actos inamistosos são, isoladamente considerados, actos lícitos praticados pelos Estados relativamente a qualquer outro Estado ou Estados que tenha tido, segundo a perspectiva de quem os aplica, um comportamento reprovável. Os actos inamistosos podem inclusive causar prejuízos ao Estado sem que daí decorram outras consequências jurídicas para quem os pratica, contanto que sejam em si actos lícitos, ou seja, actos que não se traduzam no incumprimento de um dever geral ou particular. Por exemplo, Um Estado deixar de contar com a cláusula de “nação mais favorecida” se no tratado que a consagrou estiver prevista a possibilidade de ser retirada pelo Estado que a concedeu, mediante simples notificação.

Portanto, os actos compreendidos nas contra medidas se não constituírem em si actos ilícitos eles poderão ser aplicados sem nenhuma reserva. Esse é um poder que decorre da soberania dos Estados. Nesse caso não se tratara juridicamente nem de retaliações nem de represálias, cujo conceito pressupõe sempre a ilicitude justificada pelo comportamento da contra parte, mas de actos puramente inamistosos, em relação aos quais, como acima dissemos, nenhuma objecção jurídica se levanta.

 

 

segunda-feira, 23 de maio de 2022

ANTÓNIO COSTA EM KIEV COM DÁDIVAS

A VISITA DO PM PORTUGUÊS A KIEV



Recebo diariamente textos da mais diversa proveniência sobre a caracterização política do regime ucraniano, alguns deles escritos por ocasião do golpe de 2014, muitos outros entre esta data e o início da guerra, outros .ainda actuais. Para tranquilidade das almas mais sensíveis as "diversas proveniências" raramente abrangem a Rússia. Não por opção voluntária, mas por serem escassas as traduções de textos dessa origem..
Nesta vasta literatura não conheço um único texto que não caracterize, com base em comportamentos políticos devidamente identificados, o regime ucraniano como um regime de extrema-direita com fortíssima influência de grupos nazis actuando em aliança estreita com os grupos oligárquicos dominantes, grupos ultranacionalistas, racistas e alguns extremamente violentos, aceites pelo actual presidente e pela sua própria mão integrados nas diversas instituições do Estado ucraniano, e não apenas nas militares como vulgarmente se pensa. É também um regime onde campeia a grande corrupção e a hostilidade aberta e declarada a certos grupos étnicos e a agrupamentos políticos divergentes da linha oficial
A predominância na Ucrânia da extrema-direita agressiva e violenta faz do regime ucraniano o principal alfobre da extrema-direita europeia. Nele se reuniram por várias vezes desde 2014, sob múltiplos pretextos, diversos grupos da extrema-direita europeia, tanto a que concorre a eleições, fingindo-se integrada no sistema para melhor o contestar e combater por dentro, como a que não hesita na prática de actos terroristas como modo de acção política.
É desta Ucrânia que estamos a falar. Da Ucrânia do Batalhão Azov, do Dnipro2, do Shaktarsk, Poltava e tantos outros. De uma Ucrânia saída de um golpe de estado perpetrado pelos Estados Unidos (Biden, como vice-presidente) e executado por milícias da extrema-direita, algumas delas disfarçadas de apoiantes do regime em vias de ser deposto, que colocaram atiradores furtivos em locais estrategicamente escolhidos da Praça Maidan para matar a tiro cidadãos indefesos e imputar os respectivos crimes ao regime deposto ou a depor. E também da Ucrânia onde milícias, depois de deposto o regime, já sem disfarces, atacaram impiedosamente as zonas russófonas chegando ao ponto de queimar vivos manifestantes pacíficos que apenas exigiam o reconhecimento da sua identidade. E também da Ucrânia que durante oito anos massacrou o Donbass, matando mais de dez mil cidadãos ucranianos que exibiam como reivindicação o respeito pela sua identidade, pela sua língua, durante centenas de anos a língua comum de todos os ucranianos. É desta Ucrânia que estamos a falar, duma Ucrânia que é politicamente a vergonha da Europa e pela qual as democracias europeias, vergadas ao peso da sua recorrente subserviência ao soberano americano, se deixaram conduzir contra a defesa dos seus próprios interesses vitais apoiando-se numa russofobia doentia, que o espectro do comunismo ajudou a fomentar durante décadas, se não mesmo secularmente, que está agora sendo usada para disfarçar e esconder a defesa de interesses que não são seus e os graves prejuízos que daí resultam para a sua autonomia económica e afirmação com polo de interesses autónomos num mundo que mais tarde ou mais cedo será multipolar, a verdadeira expressão de uma comunidade internacional democrática..
Tudo isto é tanto mais estranho quanto é certo que era essa mesma comunicação social ocidental e muitas das instituições europeias que tão negativamente qualificavaam o regime ucraniano, para que em Kiev se não acalentasse a ilusão da sua integração nas instituições europeias.
É por isso uma vergonha para a democracia portuguesa saída do 25 de Abril, a visita de António Costa a Kiev. Uma deslocação que não a honra nem engrandece por se tratar de um gesto que não foi ditado por uma opção política destinada a defender interesses portugueses, mas antes consequência de um bem urdido ambiente de vassalagem política entre cujos múltiplos deveres do vassalo se inclui este "número diplomático". Mas também a não honra, porque, ao dar palco ao regime de Kiev, a democracia portuguesa fragiliza-se e contamina-se perigosamente na defesa de regimes e governantes que não podem servir de exemplo a nenhum democrata digno desse nome.
O vírus dessa contaminação tem estado bem presente na sociedade política nestes últimos tempos. São sintomas perigosos a informação sectária e maniqueísta da guerra, acompanhada de uma campanha destinada a criar um clima emocional que rejeita de imediato a racionalidade da análise política e considera como alvo a silenciar qualquer voz discordante ou que não percorra sem hesitações toda a pauta política imposta pela propaganda dominante. São ainda sintomas dessa contaminação a denúncia como crime de lesa pátria da simples presença de um repórter de guerra do "outro lado" do conflito, como se o simples facto de alguém buscar informação plural já fosse em si um acto condenável. E são também sintomas perigosos as campanhas movidas contra quem manifestou oposição à presença de Zelensky no Parlamento. São, enfim, sintomas muito preocupantes o silêncio dos nossos principais responsáveis políticos a todo este atropelamento dos princípios democráticos bem como a rédea solta que tem sido permitida a apoiantes de Zelensky para usar o nosso país como espaço político privilegiado para intervenções inaceitáveis de descriminação e de ódio étnico.
António Costa, guardado à vista em Kiev por uniformes com caveira, generoso nas dádivas, parco na satisfação das necessitas colectivas internas como a educação e a saúde, para não falar dos salários, não mais poderá pisar solo amigo dos países de língua portuguesa sem remorsos por tantas vezes ter sido regateado a estes o que prodigaliza em Kiev sem qualquer conexão com os genuínos interesses portugueses.


terça-feira, 2 de novembro de 2021

MIRAR HACIA ADELANTE

 MIRAR HACIA ADELANTE" – AS LEIS LABORAIS

(Publicado no FB hoje, 02/11/21)

Compreendo a frustração dos que gostavam (entre os quais me incluo) de ter um governo com influência da esquerda que dele não faz parte, apesar de quase nula, mas com alguma relevância nominal; compreendo a frustração dos reformados “do meio da tabela” (entre os quais também me incluo) que são o pasto preferido da direita, principalmente agora quando os que se perfilam para substituir os que lá estão têm reformas asseguradas pela EU; compreendo ainda a frustração dos que genuinamente gostam, sem olhar a “minudências”, de ter a direita por longe, como também compreendo a alegria hipocritamente contida de todos aqueles que no PS foram contra a solução encontrada e vaticinavam, desejando, o fim da “aliança espúria”, mas compreendo ainda melhor aqueles que mesmo sabendo que, as frustrações acima assinaladas se convertem em perdas eleitorais inevitáveis, não podiam por mais tempo continuar a contribuir para uma solução governativa em que a sua influência era quase nula, salvo a que se traduzia no apoio que regularmente lhe era solicitado por altura da apresentação do orçamento, e lhe acarretava perdas de vária ordem, desde as identitárias até às eleitorais, sem qualquer contrapartida visível.

O caso das leis laborais é significativo. A Troika externa (FMI, BCE e CE) e a interna (Cavaco, Passos e Portas) aproveitaram a crise financeira criada pelo capital financeiro e a sua repercussão na dívida soberana dos países mais penalizados pela adesão ao euro em consequência do seu valor assimétrico nas economias dos países que dele fazem parte, para eliminar as conquistas que ainda restavam do movimento sindical e levar a “liberdade” de contratação para o mundo do trabalho colocando o trabalhador no mesmo plano do do patrão, com quebra das principais protecções que a sua debilidade no contexto da relação contratual amplamente justifica e exige, bem com a sua eliminação gradual com vista à precariedade como regra da segurança no emprego.

Em Portugal, o PS votou contra a “contra-reforma” laboral da Troika e prometeu, em documentos publicados durante o Governo de Passos, revogá-la logo que fosse governo. Em Espanha, José Luís Zapatero, teve de sacrificar algumas das suas mais arreigadas convicções para evitar a entrada formal da Troika em Espanha, mas não conseguiu evitar solicitar um resgate para acudir às situações mais gravosas em que a especulação imobiliária e a voragem especulativa do capital financeiro tinham deixado a Espanha. Conseguido o essencial, decepcionado e desiludido, Zapatero demitiu-se e veio direita com Rajoy. Sendo um homem de direita, embora relativamente distanciado da feição pura e dura da direita espanhola, que, aliás, durante os seus mandatos viria a autonomizar-se uma parte num partido de extrema-direita, e a outra a tomar conta do PP, fez também a sua “contra-reforma” ao gosto da Troika. Este período, como se sabe deu lugar a uma grande movimentação política em Espanha, que levou a que também o velho PSOE, de Gonzalez & C.ª, agentes diligentíssimos da implantação neoliberal na União Europeia, visse nascer à sua esquerda movimentos contestários contra as brutais desigualdades a que aquelas práticas tinham levado nos países desenvolvidos do Ocidente. Destes movimentos nasceu um partido, Podemos, que ameaçou seriamente a hegemonia eleitoral do PSOE, à esquerda. Depois de alguns actos eleitorais que não geravam as costumadas maiorias e em que o velho PSOE traçava uma linha vermelha intransponível a qualquer tipo de entendimento com Podemos, Pedro Sánchez para ser governo viu-se obrigado a aceitar uma coligação com Podemos, numa altura em que este já declinava eleitoral e ideologicamente por força das várias crises internas por que passou e acima de tudo pela sua fraqueza ideológica. Com Podemos, entretanto aliado ao que restava da Esquerda Unida – Unidas Podemos –, e com o apoio parlamentar de sectores independentistas, relativamente moderados (ERC e PNV) fez-se a coligação com os socialistas que levou à formação do actual governo de Espanha. No programa da coligação, figurava, sem “ses nem mas”, a revogação da “contra-reforma” laboral de Rajoy. E Sánchez até pareceu dar sinais de que respeitaria o compromisso assumido, colocando à frente das negociações a ministra do trabalho e vice-primeira ministra, Yolanda Diaz, da Esquerda Unida (PCE), defensora inequívoca dessa revogação. Com o andar do tempo, e por imposição de Bruxelas (que não têm qualquer competência para intervir neste assunto), Sánchez foi levantando sucessivas dificuldades ao avanço das negociações e nomeou Nadia Calvino (também vice-primeira ministra) para coordenar aquelas negociações.

Liberal assumida, Calviño foi introduzida nas negociações para neutralizar Diaz e para não fazer avançar a revogação das leis laborais. E o resultado está à vista, ainda agora Sánchez no termo do G 20, onde esteve como convidado, validou a “contra-reforma” de Rajoy, salvo “algumas coisas” porque o que importa é “mirar hacia adelante”. É isso mesmo, o que interessa é “olhar para frente” e fazer o que a União Europeia nos manda.

Lá como cá, a conversa é a mesma, com a diferença de que a “Unidas Podemos”, fraca política e ideologicamente, prefere ficar no Governo às “sopas” de Sánchez do que exigir o cumprimento dos compromissos assumidos e deixar a sua marca, por pequena que fosse, na governação.

domingo, 31 de outubro de 2021

UMA SÍNTESE DA CRISE E SUA EXPLICAÇÃO

 UMA SÍNTESE DA CRISE E SUA EXPLICAÇÃO

(Texto publicado hoje, 31/10/2021, no Facebbok

Vou tentar fazer aqui uma breve síntese das motivações da crise e do que verdadeiramente subjaz à actuação os diversos intervenientes.
Contrariamente ao que tem acontecido com os postes anteriores em que faço o possível por ser fiel aos factos, embora dê deles a minha interpretação, neste post, baseado nas minhas percepções, actuarei com mais liberdade, não relativamente aos factos, que continuarei a respeitar, mas à sua interpretação e acima de tudo às conclusões que deles tiro.
Assim, hoje estou inclinado a supor que toda a actuação do Governo foi ditada pelo propósito de ir para eleições. Costa estava cansado das reivindicações e propostas que os seus parceiros lhe vinham apresentando e que estavam a constituir um verdadeiro empecilho à sua governação e aos seus propósitos futuros.
Quanto ao Bloco, Costa já o tinha deixado “cair”, desde que terminou a última legislatura, não dando seguimento a nenhuma das suas demandas. Enquanto continuasse a conseguir ter o PCP a seu lado, não precisava de Bloco para nada.
Quanto ao PCP, Costa percebeu que passada formalmente a situação pandémica, o PCP iria ser mais assertivo no cumprimento dos compromissos assumidos e formular novas exigências que ele já não estaria disposto a satisfazer, principalmente por terem um fundo ideológico contrário ao fundamentalismo neoliberal de Bruxelas, não tanto pelo seu peso orçamental, nulo em alguns casos, mas mais por colocarem o PS numa rota ideológica não inteiramente coincidente com a de Bruxelas. Por outro lado, Costa consolidou uma ideia que factos anteriores já indiciavam consubstanciada no seguinte: se o Governo Socialista continuar a elogiar o entendimento à esquerda, se continuar a fazer a apologia deste tipo de experiência, com elogios variados mas significativos ao PCP, o PS (por intermédio do seu Governo) adquirirá à esquerda uma respeitabilidade e consideração que nunca antes tivera. E isso, como se está a ver, rende votos, muitos votos, entre o eleitorado de esquerda, entre o povo de esquerda. Portanto, a melhor forma de tentar ganhar a maioria absoluta, é ir agora para eleições, como desfecho “pesaroso”, que o Governo não deixará de “lamentar”, como muito “lamenta” esta divergência à esquerda por ser uma das mais belas experiências políticas que em Portugal se viveram depois do 25 de Abril. É isto que, por palavras dele, ouvimos de Costa e vamos continuar a ouvir até ao último dia da campanha eleitoral.
Com este avanço à esquerda, o que ao PS interessará é também conservar o centro. Um argumento importante para conservar o centro é deixar passar a ideia de que, no interesse do país, não cedeu nem satisfez as exigências despesistas da esquerda. E a outra forma de conservar o centro é deixar fazer subir o Chega à custa do PSD. E mesmo que Rio porventura saia, esse centro também não estará em causa por o discurso de Rangel ser, como se já viu, suficientemente à direita para assustar a parte do centro tradicionalmente PS.
E por tudo isto estou hoje levado a supor que é por Marcelo ter intuído esta manobra que as eleições antecipadas não serão verdadeiramente do seu agrado. Tanto por uma questão de correlação de forças entre ele e o PM como entre a direita e o PS. Daí também as ameaças e diligências, umas atabalhoadas e até contraproducentes, e outras de autêntico “queijo Limiano” na versão “bailinho da Madeira”, umas e outras ditadas pela preocupação de impedir a rejeição do orçamento.
Do lado da direita, toda partida interiormente, este era o único momento que verdadeiramente lhe não convinha para haver eleições, salvo para se conservarem no poder aqueles que o têm ameaçado. Embora as contas que tenham que prestar no dia seguinte ao das eleições sejam bem mais difíceis de aceitar do que aquelas que prestariam na situação em que agora se encontram. Mas como não tinham alternativa, tiveram que votar contra.
Do lado do Bloco a decisão parece já estar tomada desde o ano passado e ela assenta na ideia muito simples de que lhe rende muito mais estar na oposição a um governo PS pontualmente mantido no poder com o apoio do PCP do que estar a fazer grandes esforços e cedências para se manter na periferia da governação.
A posição do PCP era a mais difícil. O PCP percebia o que se estava a passar e os prejuízos que a sua atitude lhe acarretava, mas sabia também que este “canto de sereia” do Governo, além de lhe assegurar uma respeitabilidade numa parte muito significativa da população portuguesa, embora não traduzível em votos, lhe permitia aqui e ali impedir o que de mais grave de outro modo poderia acontecer, mais do que as vantagens directas que colhia da sua posição. Dai que todas as contas feitas tenha também facilmente chegado à conclusão de que os prejuízos que o seu afastamento agora lhe poderia trazer serão muito inferiores aos que teria se continuasse com o PS até ao fim da legislatura. Assim, deixa uma mensagem muito clara de que não poderá o PS contar mais com ele nas mesmas condições em que tem contado desde o fim de 2015 até hoje, mas, por outro lado, como se foi vendo tanto no Parlamento como nos múltiplos debates em que participou, deixou a porta aberta para outro tipo entendimentos mais avançados com o PS na base de compromissos mutuamente aceites e respeitados.
Rosa Maria

LEIS LABORAIS E SOCIALISTAS

 AINDA AS LEIS LABORAIS E OS SOCIALISTAS

(Texto publicado hoje, 31/10/21, no Facebook)

Como aqui já foi referido, os trabalhadores espanhóis debatem-se com um problema semelhante ao dos portugueses em matéria de leis laborais. Ambos os governos são socialistas, o espanhol com o apoio formal (coligação) de Unidas Podemos e o português até à última semana com o apoio informal e pontual da esquerda.
As centrais sindicais de ambos os países apoiadas pelos partidos de esquerda exigem em ambos os países a revogação das leis laborais impostas pela Troika.
Em Portugal, foi o que se viu: o governo socialista de António Costa preferiu cair a ceder nesta matéria.
Em Espanha, o assunto estava desde há muito sendo discutido com patrões e sindicatos sob a arbitragem do governo a cargo da vice-primeira ministra Yolanda Diaz (UP), partidária inequívoca da revogação das ditas leis. Pressionado pela UE, Sanchez nomeou a vice-primeira ministra Calvino (PSOE) para participar igualmente nas negociações e neutralizar Diaz. Embora os votos de Unidas Podemos sejam indispensáveis para aprovar o orçamento não é crível que esta questão acabe por ser determinante para a sua permanência no Governo e a continuidade deste.
Sanchez é que não perdeu tempo, já fez saber a Bruxelas que neutralizou Diaz e as suas exigências,querendo ser recompensado com mais fundos pelos "serviços prestados" (quem duvidar, ver jornais espanhóis).
O que se passou em Portugal só não percebe quem não quer perceber. Costa, ansioso por começar a receber o dinheiro da Bazuca, com o qual conta perpetuar-se no poder por tempo indeterminado, também esperará que Bruxelas o recompense por ter "neutralizado" a esquerda mesmo com sacrifício do seu próprio Governo. Governo, como é óbvio, que ele pensa reconstituir, fortalecido, dentro de três meses.
Socialistas todos iguais, todos ao serviço do neoliberalismo com assistencialismo.
E depois venham dizer que é a esquerda que se junta à direita. A direita votou contra Costa não porque discorde dele nas questões essenciais, mas porque o quer substituir. E o PS deixou cair o Governo para servir a direita e garantir a essa mesma direita que pode contar com ele em tudo que é importante.